6 de junho de 2017

José de lá, José de cá

peter O sagae


Já faz muito tempo que um poeta disse:
“As aves que aqui gorjeiam,
não gorjeiam como lá.”
Faz muito tempo, faz, que os poetas viam-se tristes e distantes de um rincão amado. Hoje não existe distância impossível de vencer, nem exílio quando se tem a própria língua como pátria – e, no jogo de palavras que costuma caracterizar a poesia para crianças, dois autores, um português e outro brasileiro, José Jorge Letria e José Santos, refazem a ponte entre acentos e sotaques, modos de ver o mundo num vai-e-vem de versos por outro mar-oceano que se chama Internet.


O livro RIMAS DE LÁ E DE CÁ (Peirópolis, 2014) tem ilustrações de Yara Kono (que nasceu cá e vive lá) e começa com Jorge Letria lembrando que a vida é uma viagem através dos sonhos – um livro juntando mapas. Depois, vem o José de cá:
“Na cadência dos porquês
muitas são minhas perguntas;
qual meninas curiosas
de mãos dadas, andam juntas.
...................................
Eu começo indagando
sobre as suas brincadeiras,
sejam na casa ou na rua,
divertindo a turma inteira.”
Então, começa outra viagem – através, atrás de um tempo em que não existia televisão e o José de lá propõem-se lembrar jogos que talvez não conheçamos cá – ou não nos lembramos mais: barra-lenço, campeonato de pião, que seria o tal jogo dos cinco cantinhos?



Como dois meninos curiosos, a proposta principal – tão ao jeito de um desafio cantado – é perguntar sobre os nomes dos lugares e das cidades que o Brasil tem e tem em Portugal, as aves e os peixes, as riquezas das florestas, a música, o bailarico das festas e romarias, o artesanato e as artes, a culinária, a história, os monumentos de pedra e cal, as palavras que apenas são usadas de um dos lados do mar...
“As peúgas são as meias
que o homem costuma usar,
sem serem muito apertadas
para o sangue circular.

No Portugal mais antigo
havia quem as usasse
para guardar economias
em notas folha-de-alface.”
Sempre em trovas ligeiras e bem explicadinhas, de lá e de cá, as respostas vão sendo tiradas, não escondendo o sabor de uma travessia por compêndios de vocabulário e enciclopédias tais. O foco é certamente a lembrança de que um povo, um país se constitui – além do turismo, das curiosidades linguísticas e outras extravagâncias – com a memória de sua literatura, em especial, entre os autores que escrevem para infância dos homens. Afinal, sintetizam os autores,
“A escrita para os mais novos
é caminhada para a luz
com palavras buriladas,
com minúcia de ponto-cruz.”


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