14 de janeiro de 2015

dentro da alma

O’ABRE ASPAS, crônica com poesia


Eu gostava de pensar como sou corajoso, nos finais de tarde. O céu vinha cinza carregado de nuvens e vento e logo caíam uns pingos grossos, de tanto em tanto, duros e gelados. Tocavam os meninos a correr. Até hoje o som de trovoada me agrada como o som de uma artilharia de água do Céu contra a Terra, eu estava lá... Talvez fosse emboscada, tão certa quanto a hora de buscar o cavalo. Ainda o vejo. Um tordilho velho com a pelagem branca, cinzenta, manchada, as quatro pernas negras. Ele era a própria imagem da Tempestade.

Alguns anos depois, quando lia os versos de Henriqueta Lisboa que, por todas as letras do seu nome só poderia ser uma pessoa antiga o bastante, me intrigava pensar se escrevia conhecendo-me. Ela tinha a resposta que eu daria em casa...

“Eu não sou feito de açúcar
para derreter na chuva.
Eu tenho força nas pernas
para lutar contra o vento!”


Sei que versos são imagens, cadência e pensamentos que passam dentro da gente, e essa leveza cor de chumbo, assim que a chuva chega batendo o tropel, leva-me para longe. Abandono as leituras com alegria. Já não sei como resenhar. O granizo desce no verão.

Atrelo assim a vontade às palavras de Renata Farhat Borges, apresentando a mais recente edição de O menino poeta, com 66 poemas, prefácio de Bartolomeu Campos de Queirós e um estudo em pós da poeta chilena Gabriela Mistral. Para colecionadores de todas as idades.
 Em 1941, Henriqueta Lisboa, poeta mineira com quem Mário de Andrade manteve uma de suas mais ricas correspondências, recebe do modernista uma carta, pela qual esperou por dois meses, com o seguinte comentário: “são simplesmente um encanto pros ouvidos, pros olhos, pro corpo todo. O menino poeta, isso achei maravilha integral”.

Os versos a que Mário se refere, aqui reunidos em edição especial, foram publicados pela primeira vez em 1943 e marcaram para sempre a história da literatura infanto-juvenil no Brasil. Embora, como definidos pelo próprio modernista, não sejam feitos para criança nem tampouco versos interessados, os poemas milagrosos em ritmo, melodia e encantamento coincidem com a imagem da infância, cheias de pureza, cristalinidade, alegria, melancolia leve, graça e sonho acordado.

São poemas da plenitude da poeta, que encantam a todo leitor, de qualquer idade.

A obra foi apreciada por escritores contemporâneos da autora e pelas gerações seguintes, crianças, jovens e adultos que, como Mário de Andrade, encontraram na poesia de Henriqueta Lisboa acalento para o menino poeta que mora e brinca dentro da alma.

Murilo Mendes, logo após a leitura do livro publicado, assim escreveu a Henriqueta: “O menino Murilo gostou muito dele”. Que o seu menino se encante também.

Um novo ano + poético para você, com
Henriqueta Lisboa, O menino poeta: obra completa
Ilustrações de Nelson Cruz (Peirópolis, 2008).

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