5 de dezembro de 2014

as vozes humanas, sabe?

Dezembro, tempo de verso


Poemas, às vezes, contam histórias. Pequenas confissões. Vão recompondo tudo aquilo que alguém ouve e vê. Ou inventa. Edward van de Vendel combinou o aspecto formal do gênero lírico com outras possibilidades do discurso e deu aos leitores uma narrativa em primeira pessoa, com o ritmo e a surpresa de um diário: quem o escreve é Tepper...
“Eu sou esse menino.
O menino de um olho só.
É brincadeira, viu?
Não acredita em tudo o que eles dizem.
Tenho dois olhos, verdade,
Mas um é malandro.
Ele não se mexe muito.
Por isso uso o tapa-olho.
Sobre o olho bom.”

Esse interessante eu-lírico personagem escreve sobre o cotidiano comum, incomum. Ele é bom pra escrever. Pra explicar as coisas para Lótus, uma nova colega na turma da escola. Sobre a cabana que encontrou, um dia, debaixo da ponte da linha de ferro, perto das extensas hortas dos avós. Os desenhos que ali se pode fazer nas paredes firmes. De tijolos. E escrever a respeito dos trens que passam, trovejam e retumbam, no teto. Sobre um fantasma ou um anjo esquisito que, de verdade, não existia, mas veio visitá-lo, um dia, e se chamava Zoeira.

Ao longo de quarenta bonitos poemas, ou capítulos, a trama imaginária de Tepper atrai Lótus e os leitores a uma dimensão que diz respeito às pequenas, íntimas, grandes questões existenciais do nosso mundo contemporâneo e conflituoso...


A cabana, inicialmente um lugar para ficar sozinho, onde ninguém implicasse com o olho do menino, ora, a cabana recebe a visita de dois irmãos, um menor que o outro, as mãos pretas por fora e brancas por dentro, eles chegaram através de um dia de neblina, Kiko e Flam, refugiados, explicou vovó em segredo, a mão na mão no coração, um segredo, havia um país com outras cores. De guerra, vermelho de sangue. A realidade, às vezes, se mostra mais cheia de aventuras que as histórias de um poema. Os meninos de longe viviam com a mãe, em uma casa escondida, escondida, perto da horta. Brincando os três, um dia o telefone tocou: era Zoeira.
O telefone era de mentira,
Mas fazia ring, ring.
Atendi.
Eu disse: “Alô!”.
Passei o telefone pro Flam.
“Flam”, eu disse,
“é pra você.”

E ela chegou, voz, para organizar. O importante fio, vida, telefone. Uma voz presente. Pressente? Poética é a construção. Que fala. Cada verso, ou sentença, possui a extensão máxima de oito, nove, dez palavras. Peter, pergunto eu mesmo a mim, seria essa a idade de Tepper ou seu leitor ideal? Um livro para outros também. Muitos outros. Amigos secretos. Vivos.


Um novo ano + poético para você: 2015
 com o holandês Edward van de Vendel...
ZOEIRA ESTEVE AQUI, trad. Walter Carlos Costa
il. Carll Cneut (Edições SM, 2010).

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