18 de agosto de 2014

quando ele voltar

Peter O'Sagae


Há um touro a correr na areia, aponta o poeta maranhense Ferreira Gullar nos versos do poema que virou livro: O rei que mora no mar, com ilustrações de Rogério Borges (Global, 2000). O autor resgata e reconta uma das lendas mais lindas que cruzou o tempo-oceano de Portugal ao Brasil e a fé, ainda que cega, praticamente inabalável de que Dom Sebastião voltará para libertar o povo da fome e toda forma de opressão. Mas, sentenciam seus versos que, se o povo conseguir matar o touro encantando – afinal –, quem se liberta é o próprio povo da opressão que a crença encerra!


Cláudio Rodrigues nasceu também no Maranhão e, no livro O rei que virou lenda, il. Guazzelli (Girafinha, 2009), volta às terras de outros tempos para lembrar do nascimento e a infância do rei-menino Dom Sebastião. Escolheu para narrar a forma do romance ou rimance popular, com versos organizados em dísticos que melhor dão as batidas dos cascos dos cavalos no chão. É a marcha das palavras, mas também a marcha dos homens que vão à guerra contra os muçulmanos.


E é sobre o extenso areal do Saara que o rei destemido desaparecerá: quando tudo tornou-se silêncio e escuridão, a certeza de as miragens do deserto encobrirem razão e verdade. De fato, foi o deserto que venceu... Porém, como as histórias heroicas viajam, a figura de Dom Sebastião teria ressurgido na forma de um touro reluzente, mensageiro de um reino encoberto pelas areias das dunas brasileiras na ilha dos encantados Lençóis Maranhenses. Cláudio Rodrigues assim evoca a folia do Bumba meu Boi urrando no terreiro.

Por fim, Wilson Marques é autor de um reconto em cordel: A lenda do Rei Sebastião e o touro encantado, com ilustrações de Dedê Paiva (Mercuryo Jovem, 2011). Seu tom é admonitório e fatalista; anuncia que Dom Sebastião foi “um rei que queria ser/ forte, temido e galante,/ mas teve sina terrível (...)

Consumido pelo sonho,
Por desejos de grandeza,
Esse homem, para a vida,
Não teve muita destreza,
Tanto almejava a glória,
Por prêmio teve a tristeza.

O perfil que se adivinha, desde os anos de juventude, é um Sebastião mimado, ambicioso e exigente, apesar da veneração que o povo lhe dedicava. No contexto das chamadas guerras santas, o autor dá ênfase à falta de apoio de Filipe II, rei de Espanha, e a derrota na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos (1578) que faria Portugal perder a autonomia à dinastia filipina por longos sessenta anos.

Finda a narrativa, no entanto, já a partir da metade do livro, os comentários perdem o mesmo tom e cobrem parte da dor e da esperança das pessoas pelo retorno do rei, o que se tornou lenda, o rei desejado, o rei adormecido que, dizem, vaga e pena por seus excessos do passado, sob a forma de um touro que possui uma estrela na testa.


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