5 de dezembro de 2013

é livro de imagem ou...?

peter ô.ô sagae


Os quatro títulos da coleção O que é? O que é?, de Guido van Genechten (Gaudí, 2009), pertencem a classe daqueles “livros difíceis” para os estudos convencionais de literatura infantil e seus gêneros. Afinal, o que eles são? Livros de imagem ou livros-brinquedos? No vira-desvira de páginas, há alguma coisa para uma criança ler? E o leitor adulto, sério e perspicaz, como reagiria? Aliás, quem pode ter mesmo certeza de que há página aí? Eis uma longa folha de papel cartonado, resistente e brilhante, que se desenrola sobre cinco vincos, cinco dobras, e alcança setenta centímetros. A sequência de imagens dá leitura?

Pois bem: este experimento se articula divertidamente com nossas perguntas sobre o objeto, em cada título de Genechten que aqui será aberto como um jogo de adivinhas em encaixe. Afinal, não é a adivinha uma forma literária?

É UM RATINHO? Sim, é... e o pequenino carrega um queijinho e o seu focinho vira um tremendo bico de pinguim. É um pinguim? A ponta do “nariz” vira o rabo de um macaco, que vira rabo de cobra, que deu nó no próprio pescoço, que vira... a tromba de um elefante! Nada seria mais inteligente ou importante, se a mesma extremidade não unisse, num só livro, o pequeno e o gigante, o ratinho e o elefante...

É UMA RÃ? Ou poderia ser perereca ou um sapo sorridente e verde? Talvez uma tartaruga, um cágado ou jabuti de casca dura? Uma lagarta mole, um largatão em pé, um dinossauro a passeio? Um jacaré deitado ou um crocodilo esticado? De fato, não seria mesmo atraente ou interessante, se soubéssemos apenas os nomes de todos répteis e anfíbios, quem tem e não tem veneno, onde se esconde o perigo verdadeiro, se um bicho desses viesse pra cima da gente...

É UM CARACOL? Ou um caramujo que um mosquito vê passar pelo gramado? Será que é uma borboleta com sua espirotromba enrolada ou uma mariposa que errou de hábito, hora e entrada? E de novo verei o rabo pelado de um rato... ou rato vestido de óculos escuros e maleta? É uma minhoca que alguém desenterrou? Ou... Cuidado! É a língua pegajosa que desenrola o camaleão camuflado no verde, salivando pelo mosquito... do outro lado! Sem a fome e a beleza, nada mais é tão surpreendente ou emocionante, por entre os seres do tamanho mais insignificante...

É UM GATO? Ou um miminho do mato que estica a ponta da orelha? É um pato de verdade ou de plástico? Quem abre a asa é o papagaio, ou o periquito ou a cacatua, qual parente aí se insinua? É uma lula, um calamar, que bizarro molusco marinho tem os pés na cabeça? É entranha toda essa coisa mole e estranha? E quem aí sabe que é oco o belo bico do tucano? Não seria nada diferente ou mirabolante, se bichos de pena ou pelúcia, domésticos ou selvagens, vivessem bem a sua vida, ora perto ou longe da gente!



E enfim: que livros são esses? Sempre penso o quanto é chato todo papo que um livro ajuda, serve, estimula, bah! se o livro não pula para dentro da nossa imaginação, se não provoca cócegas nos neurônios, nem dá corda aos nossos sentimentos... Ora, vale pensar quanto a função pedagógica realmente só funciona, quando toma corpo de uma função poética e lúdica da linguagem. Devemos, pois, distinguir se um livro vem apenas transmitir às crianças noções básicas para uma aprendizagem qualquer ou somente busca afastá-las das atribulações da vida dentro de casa. Entreter para ter os pequenos leitores distantes? Não há maldade maior... Agora, se um livro de imagem – nesta margem possível dos livros-brinquedos e dos livros-jogos – consegue transformar-se num livro-vivo, um livro-surpresa, muito bem. Com certeza está dentro do campo literário! 

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P.S. Revisto em 19.nov.2022

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