18 de abril de 2011

1, 2, 3 e muitos

contando com peter o’sagae 1/9

Livros de contar são ou não literatura? Livros de contar são, se vocês me permitem pensar bakhtinianamente — um gênero secundário, uma dobra que se fixa na linguagem gráfico-visual a partir das tradicionais parlendas e estas, sim — um gênero primário da comunicação boca-ouvido, com estilo, forma, função e assunto muitas vezes bem definidos: um gênero da literatura oral, como bem sibilou Paul Sébillot nos idos de 1881: uma manifestação de fundo literário transmitida por processos não gráficos, ufa!


E parlendas são: versos de cinco ou mais sílabas recitados para acalmar e entreter as crianças, ou escolher quem vai iniciar um jogo ou participar da brincadeira: uni-duni-tê,,,,, Olhe bem que cinco são e lá vai um Cascudo na palminha de uma mão: “Quando a parlenda é destinada à fixação de números ou idéias primárias, dias da semana, cores, nome dos meses, etc. chamo mnemonias.” Deveria eu, pois, apagar o parágrafo anterior e começar novamente:

Livros de contar são dobras novas de antigas mnenomias populares que brincam com rimas, mantendo a finalidade de ensinar ou fixar os números e noções de ordem, quantidade, acréscimo ou diminuição... Livros de contar não seriam por si apenas literatura, não viessem eles (eis aí a questão) individualizar a experiência da língua e da leitura.


Entre números e letras, os livros de contar são dirigidos a quem ainda não sabe ou não aprendeu a ler sozinho. Por isso, recorrem a um parceiro-ouvinte, demandam uma modalidade de leitura compartilhada: o conjunto versos & ilustrações volta-se para o momento falado-dialogado entre a criança e seu preceptor.

Há no mercado editorial um, dois, três, muitos livros de contar. As condições que promovem o número crescente dessas publicações, ora, estão nos editais de compra do governo que, a partir de 2008, passaram a atender a educação infantil [+]. Livros de contar e mnemonias à solta: mas nem todos (me)-dão coragem. De co(me)ntar.



Nos próximos dias, uma sequência de álbuns e livros de contar.

17 de abril de 2011

Pararatibum, pararatibum!

contando ;-) com peter o’sagae 2/9

Será que uma imagem pode valer por uma epígrafe? Ou uma dedicatória velada? Ai, ai, ai! Quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece...

Mais uma vez, Angela-Lago resgata uma brincadeira do folclore falado para as páginas de seus livros ilustrados. Com humor despretensioso, a autora transforma uma simples parlenda, com intenções de ensinar o nome dos números aos mais pequeninos, no bem bolado livro de contar A visita dos dez monstrinhos (Companhia das Letrinhas, 2009), que conquistou o Prêmio Jabuti 2010 - Melhor Livro Infantil.

No nível verbal, versos em ritmo de lengalenga assim começam: “Veio um, pararatibum! E dois vieram depois.” Na ilustração, sorridentes e sorrateiras formas maleavelmente elásticas vão se juntando e tomando o contorno dos números. São esses os monstrinhos, recebidos de braços abertos, e a quem um personagem, não menos estranho, serve refrescos. No entanto, os visitantes começam a dar trabalho, muito trabalho: entram no quarto, abrem o trinco, fazem-se de reis... E pulam no omelete, desaparecem com o biscoito, até que o dono da casa resolve tomar uma atitude!

Angela-Lago brincando com a lição matemática a par e passo da compreensão palavra-imagem, dá ao leitor bem mais que a chave de uma parlenda para espantar fantasmas: o personagem do livro, cortando os ângulos internos dos algarismos, vai se desfazendo das companhias indesejadas ao mesmo tempo em que revela a lógica presente na notação gráfica dos números arábicos tal como hoje conhecemos – e tudo isso sem uma palavra sequer, apenas demonstrando com os desenhos.

Mas... E o zero? Eu rezo: é nada, coisa alguma, alma penada que some, evapora, aumenta o tamanho das sombras ou é apenas DEMAIS da conta? Charada macabra, zero danado que nos puxa pelo pé... Oooh!

16 de abril de 2011

numa terra de poesia

contando com peter o ;-) sagae 3/9


A ilustradora Isol refere-se ao texto de Jorge Luján como um misterioso poema, todavia suas imagens não são menos intrigantes que os versos do compatriota argentino. Numerália, poema para contar (Edições SM, 2009) é uma obra de refinado humor e referências a histórias, expressões populares e toda uma sorte de brinquedos falados que os mais chatos chamariam inutilidades... Ao contrário, são vestígios de poesia que repetidamente-repetidos da boca ao ouvido adentram o imaginário particular de cada criança.

Lembro das riquezas miúdas da língua, na voz da madrinha que fazia doces e perguntava como se fazia para colocar um ovo em pé… Não havia resposta que se pudesse dar, mas estranhamento. E eis aí, talvez dez vezes a idade daquela época, os versos de Luján me olhando, me OuVindO, me duvidando: “O O para aprender como deixar um ovo em pé.” O que foi que eu aprendi? E você?


A lição é semioticamente afeita a inteligência infantil e um modo especial de compreender as coisas, via analogia, tal e qual elas se parecem, se emparelham, se espelham… “O 1 para a menor bandeira do mundo.” E? Rima que rima o nome do número dentro de um mUNdo de possibilidades e de imaginação: com que o 1 se parece, senão uma bandeira? Quem há de carregá-la? A resposta fica por conta do leitor. E também pelas imagens que o poeta despertou em Isol…

O 2 nos faz lembrar um patinho? Jorge Luján lembra que o patinho “nem sempre é feio”… E o 3, por que evoca beijos de boa noite? O quatro é feito uma cadeira de ponta-cabeça? Quem ali poderá sentar-se? Imagens e algarismos trocam de lugar e função na poesia e na matemágica do olhar: ora, temos desenhos para contar, ora, números para identificar, em seu contorno, onde está. Numerália, um poema misterioso que preenche nosso tempo de miudezas tão ricas!



15 de abril de 2011

dez números, mais 26 letras

contando com peter o’sagae ;-) 4/9

Pássaros, bailados, aves de norte a sul... Fruta, frutos, moça bonita: quem furta? Um Brasil inteiro para ver nos imagiários de Lalau e Laurabeatriz, o livro de contar – OS NÚMEROS e o livro de palavras chamado AS LETRAS, ambos publicados pelo selo Amarylis (Manole, 2009), com figuras coloridas, em um fundo muito vivo. Para os pequenos leitores apontar, dar nome, reconhecer e aprender: lição de contiguidade palavra&imagem.


14 de abril de 2011

retintos sacis por aí ;-)

contanto com peter o'sagae - 5/9

Sobrecapa preta com recortes: Dez sacizinhos, de Tatiana Belinky e Roberto Weigand (Paulinas, 1997).


... então, eram só dez sacizinhos de barrete vermelho, pitando cachimbo: danados dez, com sua perninha só, pulando agora num tangolomango que Tatiana Belinky reinventa! E vão nove, e vão oito, e vão sete numa lengalenga de contar para trás... Até sobrar nenhum! Será mesmo o fim dos pestes? Creio não, pois qualquer hora é hora de recomeçar o mimo, pitando danados dez cachimbinhos...

Roberto Weigand faz os sacis saírem da mata, espalhando-os pela praça, passando por baixo de um arco-íris. Até mesmo passeando de fusca! Quantos desses peralteiam por aí? Sacis urbanos e bem humorados, nunca ficam parados... Mas, cuidado! Em cada página, também aparece e esconde-se a malvada rabuda que dá sumiço nos pestinhas. Já sabe quem? No final de tudo, uma salva de palmas e... pés, dez, é claro!

* Extraído de Dobras da Leitura 36, ô-ô agosto de 2006.

13 de abril de 2011

contagem regressiva

contanto com peter o'sagae 6/9


O que faz um astronauta antes de dormir? Esta é uma pergunta que pais e mães poderiam fazer a seu filho, caso queiram convencê-lo das últimas tarefas do dia... Tão logo se vê alta a lua no céu, começa a contagem regressiva do menino para a venturosa viagem ao satélite com chão de queijo ;-) Tomar banho, vestir-se, calçar os sapatos especiais, pegar um livro, tomar água, chamar o co-piloto e quatro, três, dois, um... Zero!

Enumerando, assim, cada uma das ações do menino antes de ir para a cama, CONTAGEM REGRESSIVA, de Kay Woodward e Ofra Amit (Girafinha, 2008) é certamente um livro de contar, ao mesmo tempo em que assume outras funções, como introduzir a criança no universo da leitura com suas frases-tipo legenda. O texto original em língua inglesa não possui mais do que 50 palavras e os comentários (lá fora) celebram alegremente as coloridas ilustrações que tranquilizam os astronautas pré-leitores mais relutantes, ajudando-os 'ainda' no processo de alfabetização visual...


Mesmo com intenções utilitárias tão claras (e otimistas), o livro não deixa de despertar algum interesse entre aqueles que estudam a imagem na literatura para crianças e a variedade de gêneros ilustrados. É evidente que existe uma narrativa visual, emprestando ação ao que é instrucionalmente posto em tópicos e à ordenação decrescente dos números. Vemos o menino indo e vindo entre os cômodos da casa, naquela atitude tão nossa de enrolar o tempo antes de ir para a cama ;-)

Com a fantasia reservada à dimensão dos sonhos, o que chamamos de literatura infantil aqui encontra sua fronteira no hiper-espaço dos modos e gêneros do discurso: ao exemplificar comportamentos infantis, temos em mãos um pequeno livro de autoajuda? Para o adulto ou para a criança?

* Extraído de Dobras da Leitura 56, primavera 2008.

12 de abril de 2011

os dias são sete…

peter o’sagae contando 7/9

Entre as mnemonias populares e os livros de contar, podemos incluir os semanários ou parlendas para ensinar a ordem e o nome dos dias da semana, associados, quase sempre a uma tarefa em particular. Na casa da avó, as tias solteiras pintavam panos de prato de saco alvejado, ora com mulatinhas faceiras, ora com holandesas sobre tamancos, sempre a mesma mocinha jeitosa retratada em sete panos, varrendo a casa, lavando a roupa, passando e engomando, carregando água, levando um cesto cheio de frutas e legumes, regando as flores, passeando com o namorado… Um pano de prato diferente, a cada dia, para lembrar o que fazer. O que isso tem a ver com a literatura infantil?


No livro de Renato Moriconi, CONTANDO A SEMANA (Jujuba, 2009), toda segunda, terça, quarta, quinta e sexta-feira é dia de escola para o menino, enquanto os cinco dias da semana são dia de feira para o pai. Cedo, ele acorda e carrega o caminhão com caixas de maçã; vai pra longe, monta a barraca, anota o preço, vende tudo, volta pra casa com as caixas vazias… Nos seus compromissos de estudo e trabalho, o filho e seu pai passam o sábado, abrem os abraços e, juntos, saem para brincar no domingo! De maneira muito simples e feliz, Renato Moriconi enriquece a espera e a experiência de cada um.

Por sua vez, Graça Lima nos apresenta a LUZIMAR (Nova Fronteira, 2009) que sai para trabalhar na casa de pessoas diferentes, chegando e fazendo coisas sempre de um jeito também diferente. Na segunda-feira, ela faz café para o Josué; na terça-feira, faxina para Cristina… Na sexta-feira, ela acorda a menina-narradora com bolo e café quente! Mas, ao fim do dia, todo dia, Luzimar brilha sob o céu que cobre o morro inteiro seu ;-)

Peter-peter pensa em estabelecer rotinas, criando noção do tempo que passa, a cada instante. Todo dia.

11 de abril de 2011

Modja, mbili, tatu...

contando com peter ooo'sagae 8/9


Modja, mbili, tatu...

Um, dois, três...
E, depois vêm muitos!
Elefantes, hipopótamos, gnus, zebras e leões que as crianças vão contando pelo caminho através da extensa planície protegida pelas montanhas azuis e distantes da Tanzânia. Para aprender a contar de 1 até 10 em swahili, a língua do povo Massai, o leitor encontra a companhia elegante de Arusha, Mwambe, o pequeno Bodru e seus amigos de nomes curiosos guiados pela simpática Tumpe e a paciente Zalira.

De Laurie Krebs, com ilustrações de Julia Cairns, UM SAFÁRI NA TANZÂNIA (Edições SM, 2007) é um bonito álbum que vai além de sua intenção didática ou informativa. Além de ensinar a contar, ou mesmo ajudar a aprender ou fixar a sequência dos números, o livro oferece o começo de uma viagem à cultura nômade dos Massai, nas cores contrastantes que o olhar turista acolheu da beleza negra das crianças e mulheres de cabeças raspadas, com brincos e pingentes de miçangas vivas, as roupas tingidas do vermelho mais rubro ao sol — e, contando um, dois, três e muitos, estabelecemos contato também com as paisagens do Serengeti, a flora e principalmente a fauna da África Oriental. Do texto à ilustração, apesar da finalidade expressa, o trabalho é marcado pelo aspecto estético e pela ambientação lúdica que se desdobra a cada página.

Traduzido a quatro mãos por Cláudia R. Mesquita e Heitor Ferraz Mello, o texto é apresentado na forma de uma lengalenga com estrofes de quatro versos, principiando pelo bordão “Fomos fazer um safári” e rimando, então, os versos pares. Como nos jogos mnemônicos, a rima empurra a memória dos mais novos a “descobrir” qual será o próximo número. A cada algarismo, são apresentados um personagem e um animal diferentes — daí que os olhos procuram pela ilustração quem é Akeyla, onde está Watende, se Doto é um menino ou uma menina, se realmente são oito javalis que passam elétricos diante da unida trupe. Realmente, são os detalhes que vamos apontando com os dedos que ampliam as relações entre o jogo e a aprendizagem.

O livro se completa com algumas páginas informativas sobre os animais da Tanzânia, a cultura do povo Massai, o significado dos nomes swahilis, um breve histórico e a localização geográfica do país. Enfim, nane, tisa, kumi... Oito, nove, dez! Mas, quem será o décimo primeiro personagem que aparece neste livro?
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