6 de agosto de 2010

Bá Maria, com afeto e magia

por Peter O'Sagae


André novamente segue viagem para o sítio-que-ninguém-acha para mais e mais escutanças, ao lado da negra querida, a Bá Maria, amiga com mais de cem anos que nunca se casou e sempre adotou a criançada das redondezas como seus filhos. É com ela que vamos conhecer outra versão da história do moleque-boneco de cera, aquele mesmo que uma velha fez para vingar-se do macaco que comeu todas as suas bananas. Mas esta velha e boa história é apenas um aperitivo para forrar seu estômago para outros causos...

Tem armações do temível Quibungo, o ferrão quebrado do Caipora, a velha que não morria, o homem que queria ganhar sempre no jogo do facão e, por isso, fez um pacto com o Tinhoso — mais tantas outras histórias Bá Maria vai tirando do passado e filtra para os ouvidos do zinfio. Curioso, André envereda-se pela tênue fronteira das lendas, onde se equilibram imaginação e relíquias históricas.

No entanto, o livro todo não é dedicado à felicidade de sentir medo e tremer, desconfiando de que algum malefício espreita no breu da noite que silva e sibila... Espreguiço-me, mas não estou agora com sono. Peço a minha velha amiga para falar um pouco da escravidão para sairmos também da terra das assombrações por alguns momentos. Há tempos ela quis me fazer conhecer um pouco sobre os orixás, mas eu não tinha tido tempo em outras férias. E também era muito moleque, acho que não entenderia com a profundidade que só ela sabe ensinar as coisas.

Adriano Messias reverencia a ancestralidade yorubá — em um capítulo apenas. Embora venha com uma reduzida enumeração dos nomes e principais atributos dos infinitos orixás, o autor não reduziu o respeito à alma de tudo o que é habitado por mistérios. Além do mais, não é Adriano, mas o personagem André quem deixa a promessa de escrever um livro sobre os casos dos orixás... Quanto ao texto deste segundo volume de assombramentos, o autor “empírico” (isto é, o próprio Adriano) vai dispensando os travessões de falas e o que cai, nas mãos do leitor, é como um feature composto por diversas vozes e registros que funde as antigas narrativas às emoções de André, a narração aos comentários explicativos, os diferentes narradores — sem jamais perder o fio da história.

Pois bem: André sabe que os dias serão sempre curtos e, disposto a estender a noite, atravessa o terreiro da casa da avó até a casinha da negra; os braços cruzados sobre o peito, mas cheio de coragem para ingressar em um mundo fascinante. Ao longe, pios e assobios, um bode (será bode?) bééérra... e ainda ameaça tempestade. Eparrêi, Iansã!

* De Adriano Messias,
Histórias mal-assombradas DO TEMPO DA ESCRAVIDÃO,
 il. Andréa Corbani (Biruta, 2005) 116 p.

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