11 de setembro de 2009

Bem do seu tamanho



Ana Terra
Rua Jardim, 75
(Larousse, 2008)

Ligue a antena de seus olhos e siga adiante: vem, vem para dentro do livro, ver ler-ouvir o que Ana Terra tem para contar: a história de um bicho que encolhe, vira, ajeita, espicha, acode... Um dia, mal-humorado acorda o caracol e começa ele a desenrolar o caminho em busca de um lugar para viver. E ele abandona a concha por um tilim, tilim, tilim, depois encontra um plect plect, quando, de repente ploft e já vai lá andando ele no chap chap chap bem protegido, numa casa-lugar que ele pode carregar. Tudo que ele vê, ele quer, mas — ô caracol insatisfeito, onde é que pretende chegar?

De braços dados com a tradição da fábula de animais, agora num passeio pela Rua Jardim, 75, Ana Terra conduz o pequeno leitor por um exuberante jogo de linguagens que só mesmo textos contemporâneos da literatura para crianças podem oferecer. É bem fácil reconhecer que os códigos verbal visual e sonoro brincam pelo espaço das páginas, sempre muito coloridas e movimentadas — porém, a leitura aqui não pode parar naquilo de olhar saudar analisar apenas a acrílica e a colagem de materiais diversos, uma técnica presente no trabalho de toda uma geração de ilustradores. Às vezes, é possível procurar um pouco mais e pensar nas estruturas plásticas e rítmicas que Ana Terra vai construindo.

O texto (aí compreendendo palavra&imagem) organiza-se como uma performance de signos impuros — desde o código verbal (carregado das sonoridades da rima e configurando um espaço coreográfico onde os tipos/letras mimetizam vozes, onomatopéias e movimento) até a escolha e a distribuição dos elementos visuais. No nível figurativo, a concha do caracol é sucessivamente substituída por um sino, uma bota, um regador, etc. reproduzindo objetos fotografados. Mas — antes mesmo de ilustrar certa idéia ou uma passagem da história, não seriam a troca e os novos arranjos visuais da casa do caracol o que motiva o desenvolvimento da narrativa?
Como uma contadora de histórias que se utiliza de objetos em cima de uma mesa, o livro re-encena a prancheta e o processo da ilustradora ao descobrir, em cada forma, a cada instante, um elemento narrativo funcional. Isto é intrinsecamente lúdico, fazer literatura como quem brinca — a criação ainda se processando no livro às nossas mãos.

Ana Terra também investe numa composição de perspectivas profusas que descentralizam o olhar, multiplicando postos de observação para o leitor aventurar-se. A cada página, Ana desterra um ângulo diferente — e o projeto do livro, como um todo, parece obedecer à lógica líquida da videografia, com suas cores inquietas, os cenários inconstantes, o olho-câmera que zapeia por rápidas sequências visivas ou atravessa camadas de imagens editadas verticalmente. Vejamos três fragmentos do livro: uma admirável visão área das anteninhas do caracol pensando sino; a montagem ou trocadilho visual da bota que virou casa; e a sobreposição espacial de imagens que representam o curto intervalo em que o caracol carregou um regador nas costas: uma linha tracejada explicita o deslocamento da casa, da mesma maneira que ensina um caminho de leitura.

De braços dados com a simplicidade das histórias para pequenos leitores, Ana Terra, na Rua Jardim, 75, conduz qualquer pesquisador a um intrincado campo de observação.

Um comentário:

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